segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Palcos (28/09/2015)



Olá, como estão?


Ontem dei por mim a pensar no monólogo de Shylock (“O mercador de Veneza (The Merchant of Venice)”, William Shakespeare), especialmente aquela parte “And if you wrong us, shall we not revenge? (E se nos fazem mal, não nos devemos vingar?)“
Não sei porquê.
Eu até conheço a peça de teatro “O mercador de Veneza”: já li o livro e posso dizer que esta nem é a minha preferida das peças de Shakespeare – das que conheço, bem entendido.
Na minha modesta opinião, o melhor dessa peça é mesmo a personagem Shylock – essa é mesmo a minha personagem masculina preferida criada por Shakespeare (do que conheço, volto a frisar. É só disso que posso falar).
Já em relação à personagem feminina, a minha preferida é Helena, de “Bem está o que bem acaba (All’s well that ends well)”.
E a minha peça preferida, como um todo, é “Macbeth”.


E hoje é o tal concerto de solidariedade para com os refugiados, o “Lisboacolhe”.
Por um lado, acho bem, mas por outro…
E o resto?... Está tudo bem?...
Eu compreendo que os refugiados, os verdadeiros refugiados, não fogem porque querem: fogem porque tem de fugir: estão a fugir pela vida. E convenhamos que não deve ser fácil tomar a decisão de fugir e abandonar toda uma vida construída até então.
Falo em verdadeiros refugiados porque a muito triste verdade é esta: também aqui há aproveitamentos: pessoas que fingem ser o que não são.
Mas ao mesmo tempo, não posso deixar de ficar revoltada.
Quer dizer, eu, para conseguir o que quer que seja, tenho de mover o céu e a terra, mas vejo essa gente chegar cá e ter tudo de mão beijada.
E não, não se trata de xenofobia ou racismo.
É mais frustração.
E nem é com os refugiados.
É antes com o governo português.


Lembro-me de um provérbio, penso que chinês, que uma vez um médico me ensinou. Era qualquer coisa assim: não se deve dar o peixe, mas uma cana de pesca e ensinar a pescar.


E por hoje é tudo.
Até uma próxima oportunidade.


sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A-ta-..., quê?... (25/09/2015)



Olá, como estão?


Hoje, dia 25 de Setembro, assinala-se, um pouco um puco, por todo o mundo, o Dia Internacional das Ataxias.
E o que é isso das ataxias, perguntam.
Bem, assim de repente, posso-vos dizer que são um grupo, nomeadamente as hereditárias (a ataxia de que padeço, a ataxia de Friedreich, faz parte desse grupo), de doenças raras, incuráveis, progressivas, cruéis e, por vezes, fatais.
Para mais informações, podem consultar a APAHE – Associação Portuguesa de Ataxias Hereditárias, quer através do website (http://www.apahe.pt.vu), blogue (http://artigosataxiashereditarias.blogspot.pt) ou Facebook (http://www.facebook.com/apahe.portugal).
E aproveito para pedir a ajuda de todos para divulgar, o mais possível, o significado desta data, para uma maior e melhor consciencialização e sensibilização da questão das ataxias hereditárias.


Por hoje é tudo.
Até uma próxima oportunidade.






terça-feira, 15 de setembro de 2015

27.º Campeonato Nacional de Escrita Criativa (15/09/2015)



Olá, como estão?


Como eu aqui já tinha dito, participei no 27.º Campeonato Nacional de Escrita Criativa, levado a cabo por Pedro Chagas Freitas (http://www.pedrochagasfreitas.com).
A organização decidiu publicar, no blogue oficial da prova (em http://www.campeonatoescritacriativa.blogspot.com), o texto mais pontuado de cada jornada.
O campeonato teve 10 jornadas e em cada jornada havia um desafio, que era avaliado por um júri de 3 elementos (Pedro Chagas Freitas, Sara Câmara Leme e Rui Miguel Mendonça), com notas de 0 a 20.
A minha nota mais baixa foi um 12 e a mais alta um 15.
Terminei o campeonato em 31.º lugar, entre 72 participantes inscritos.
A seguir, transcrevo o meu percurso nesse mesmo campeonato.


27.º Campeonato Nacional de Escrita Criativa

(10 jornadas)

1.ª Jornada

TEXTO:
Escrevo isto para ti.
Acho que se pode chamar a isto uma carta.
Portanto, escrevo-te uma carta, esta carta.
A minha primeira carta.
De amor, bem entendido.
Podia muito bem te ter enviado um e-mail, mas não. Por duas razões: primeira, porque faço questão de te escrever pessoalmente, pelo meu próprio punho – assim sempre tens um pedaço meu, de mim; segunda - e esta é uma razão bem mais prosaica -, porque não tenho o teu e-mail.
Sabes, gostava de ser uma mosca (ou mosquito... ou coisa que o valha...), só para ver a tua reacção ao leres estas folhas soltas rabiscadas à pressa: estou mesmo a ver, depois da surpresa inicial, quase que aposto que dirás algo como “Mas que raio de brincadeira é esta?!” e “Esta gaja está completamente passadinha dos carretos”.
A tua mais que provável reacção, deixa-me que te diga, até tem alguma razão de ser.
É que eu não te conheço.
Ou melhor, nunca te fui apresentada. Ou me apresentei.
Porque conhecer, eu até te conheço. Provavelmente, e perdoa a imodéstia, melhor que ninguém, Se calhar, conheço-te melhor que tu.
Não acreditas?
Para começar, vejo-te todos os dias.
Mas não, não te vou dizer onde: isso tornaria tudo demasiado fácil.
Mas vejo, sim. Todos os dias.
À conta disso, até já sei o teu nome: Vasco.
E quando digo que te conheço, estou a falar a sério. Mas mais do que te conhecer, adivinho-te, sinto-te.
Já chamei a esta carta, uma carta de amor.
Mas não.
Enganei-me e permite-me aqui emendar o meu erro: esta não é uma carta de amor, é antes uma carta... de qualquer coisa ainda sem nome. Qualquer coisa profunda, que morde e arranha os cantos mais escuros e escondidos da alma e do ser.
Mas seja como for.
Primeiro que tudo e antes de mais nada, quero-te dizer olá.
Eu sou a Elisa.
Muito prazer.

Pontuação da 1.ª jornada: 45 pontos
Classificação geral após 1.ª jornada: 4.º lugar

2.ª Jornada

TEXTO:
Ao ver aquele livro, com aquele título, naquela montra daquela velha livraria, Silvana acedeu com a cabeça num gesto de concordância: sim, era verdade.
Mas aquele título dizia-lhe ainda mais, falava com ela, atraía.
Despertava algo dentro dela.
Impelida pela curiosidade, Silvana deu pelos seus passos a serem guiados, sabe-se lá por que força invisível e impalpável, em direcção àquele livro.
Sem saber como nem porquê, Silvana deu por si a agarrá-lo, a cheirá-lo, a folheá-lo.
E a atenção de Silvana ficou irremediavelmente presa pelo curto dialogo no início do livro.

“Acabou.”
“Sim. Mas o que mais custa ainda está por vir.”
“Como?!... O que mais custa ainda está por vir?”
“Sim.”
“E o que pode haver de mais custoso do que acabar?”
“Continuar.”

Alegre e voluntariamente, Silvana capitulou.
O livro, aquele livro, tinha-a conquistado.
Sem apelo. Nem agravo.

Pontuação da 2.ª jornada: 41 pontos
Classificação geral após 2.ª jornada: 9.º lugar

3.ª Jornada

TEXTO:
Rui não o era, mas era como se o fosse, pois era assim que se sentia.
Cego, total e completamente cego.
Pior que isso, Rui sentia-se enganado.
Mas o que era mesmo pior, é que Rui se sentia enganado... de forma voluntária, à falta de melhor palavra.
É que ele não se tinha limitado a não ver; não, ele tinha escolhido não ver.
E a plena consciência desse facto entristecia-o e enfurecia-o, a um só tempo.
Como é que ele podia ter sido tão, tão... obtuso? Tão, tão... tosco? Tão, tão... idiota?
Numa palavra, estúpido até mais não?
É que, olhando para trás, os sinais estavam todos lá: e até que nem eram propriamente subtis: antes pelo contrário, até que eram bem óbvios.
Só não via, quem não queria.
E ele não quis, escolheu não querer.
Rui lembrou-se do ditado: “em terra de cegos, quem tem olho é rei”.
Pois...
Só se fosse da mula russa, ele suspirou fundo.
Agora, mais do que outra coisa, Rui sentia-se afogar na indignação. Mas com ele. Aquela indignação acompanhada de irritação era, acima de tudo e principalmente, dirigida a ele mesmo.
Quanto mais pensava nisso, mais Rui se sentia... invadir por uma miríade de sentimentos.
Lentamente ao princípio, mas num contínuo crescendo, ele sentia-se ir sendo... acossado (seria?!...) por vagas tumultuosas num autêntico turbilhão, qual marinheiro perdido numa noite de tempestade.
Toda aquela fúria, mágoa, raiva, dor, tristeza, irritação, confusão, Rui sabia lá mais o quê, não era saudável e ele sabia-o.
Sabia também que, de alguma forma, tinha de arrancar aquilo de dentro de si.
E Rui fê-lo, da maneira que melhor sabia.
Sentou-se com uma folha de papel à frente e uma caneta na mão.

Pontuação da 3.ª jornada: 40 pontos
Classificação geral após 3.ª jornada: 15.º lugar

4.ª Jornada

TEXTO
Se não fosse a tua teimosia, melhor dizendo, a tua, a tua... casmurrice, a tua desmesurada casmurrice, não estaríamos aqui, não é verdade?
Aqui, neste ponto morto, sem andar nem para trás nem para frente.
Estaríamos noutro ponto bem diferente, imensamente vivo e amplamente vibrante.
Mas não, estamos aqui...
E foste tu que nos trouxeste.
Não, não... desculpa, estou a ser injusta.
Tu não nos trouxeste aqui, NÓS trouxemo-nos aqui.
Aqui, a este ponto de não retorno.
Tantas e tantas vezes me sinto... aprisionada?... sufocada?... encurralada?...
Provavelmente isso tudo e ainda mais.
E tantas e tantas vezes me sinto... como dizer?... ignorada, percebes?... Invisível. Como se não estivesse aqui. Pior ainda, como se estar ou não estar fosse exactamente a mesma coisa.
Como um verbo-de-encher.
Contigo, sinto que se deve estar a passar a mesma coisa.
Também tu te deves estar a sentir agrilhoado a um turbilhão de inúmeras coisas, pequenas e grandes, palpáveis e impalpáveis, um turbilhão imenso que teima em te arrastar, envolver e sufocar.
Como é que chegámos aqui?
Melhor dizendo, como é que nos deixámos chegar aqui?
Aqui, a este ponto onde estamos.
A esta apatia sem fim, contagiando-nos.
A esta indiferença total, moldando-nos.
A este ritmo prostrado, acomodando-nos.
E aonde parece que nos vai faltando a... vontade?... força?... para querer sair.
E eu sei que queremos sair, eu e tu.
Só não sei é como...
E tu?

Pontuação da 4.ª jornada: 40 pontos
Classificação geral após 4.ª jornada: 24.º lugar

5.ª Jornada

TEXTO
Já está, está feito.
Morreste.
Morreste, meu amor e fui eu que te matei.
E agora, com o teu corpo ainda morno à minha frente, quieto e silencioso, inerte e impassível, escrevo-te esta carta.
Creio que lhe podes chamar uma carta de amor.
Uma carta que nunca vais ler. Porque morreste. Às minhas mãos.
Patético, não é? Patético e ridículo.
Escrever-te uma carta agora, logo a seguir a te ter matado.
Ainda ontem vimo-nos pela 1.ª vez. E foi mágico. Pelo menos, para mim.
Acreditas em amor à primeira vista? Eu não, nunca acreditei – acredito em muita coisa à primeira vista, mas não em amor.
No entanto, naquele momento alguma coisa aconteceu.
E soube que te amava.
E também soube que tinha de te matar.
Não sabia como, não sabia quando, nem sequer sabia aonde, mas sabia que tinhas de morrer. E que tinha de ser eu a pôr um fim à tua vida.
Irónico, não é?
Como te amava, tinha de te matar.
E matei.
Os pormenores não interessam.
Apenas isto interessa: amei-te. Profunda e ferozmente. E matei-te. Firma e seguramente.
Sei que acharias esta carta oca e vazia, desprovida de profundidade. A isso, digo: talvez...
Creio que poderia falar da electricidade que me atravessou, quando te vi. Ou dos teus olhos escuros, lagos escuros imensos. Ou ainda do som da tua voz, melodia maviosa.
Podia ainda falar de como te matei, de como senti a tua vida a esvair-se de ti, de como separei o teu corpo da tua alma.
Mas nada disso interessa. São apenas banalidades.
Apenas interessa o que sinto, o que teima em transbordar do fundo de mim.
E antes que insistas no ridículo desta carta, responde-me só a uma pergunta: não foi Álvaro de Campos que escreveu que “Todas as cartas de amor são ridículas”?

Pontuação da 5.ª jornada: 39 pontos
Classificação geral após 5.ª jornada: 31.º lugar

6.ª Jornada

TEXTO
E eis que desaparecemos. Sem deixar qualquer rasto. Sem saber como nem porquê. Simplesmente, desaparecemos.
Num momento, naquele momento, existíamos: eramos dois, tu e eu. Mas depois, já não: isso tinha acabado.
“Foi um ar que nos deu”, dirias num ar de troça.
Foi de repente. Ou melhor dizendo, para o observador mais desatento pode parecer que foi de repente, mas tu e eu sabemos melhor. Ou saberíamos, porque nós já não existimos: desaparecemos.
Tu e eu... Antes de desaparecermos, não éramos apenas dois: eramos duas metades fundidas num todo. Dois seres simbióticos, que não podiam existir um sem o outro.
Pelo menos, era o que eu pensava. E sentia.
Mas lenta, muito lentamente, comecei a aperceber-me que contigo as coisas poderiam já não ser bem assim, que algo tinha mudado, algo que eu não podia entender nem apontar. Algo impalpável. Algo que teimava em me ultrapassar.
Porque, para mim, nada tinha mudado: o meu coração ainda batia forte no teu peito.
Mas, como as marés que sobem e descem, também nós, depois de subir, começámos a descer. Primeiro devagar, tão devagar, que praticamente ninguém se apercebeu. Depois, mais depressa, cada vez mais depressa. Assim como naquelas peças musicais, em crescendo.
Cada vez mais me apercebia que a nossa simbiose, até então tão una, tinha sido irremediavelmente alterada, Comecei a sentir o teu afastamento, a adivinhar a tua vontade de ir e não voltar.
Aqueles nós que conhecia e amava, ia desaparecer.
E desapareceu.
Foi o tal ar que nos deu.

Pontuação da 6.ª jornada: 40 pontos
Classificação geral após 6.ª jornada: 32.º lugar

7.ª Jornada

TEXTO
Há 20 anos que não te vejo. E nem te sei dizer a razão desta separação. Afinal, és o meu pai. Nunca me maltrataste, física ou psicologicamente. Na verdade, se há palavra para descrever a minha infância, é normal. Normal e feliz. Ainda me lembro das brincadeiras e aventuras com os meus amigos, assim como dos nossos passeios, verdadeiras explorações, a pé e de bicicleta.
No entanto, mal tive idade para ser chamado de gente, fugi. Não de ti, mas fugi.
Não fugi de ti, mas antes do que tu representavas, percebes? Consegues perceber? Mesmo?
Fugi do contentar-me e adaptar-me. Fugi do assentar. Fugi porque não queria criar raízes que me podiam impedir de voar. E voei.
Voei até muito alto.
E vi muitas coisas, algumas mesmo de espantar.
Agora, voltei. Quis voltar.
Quis voltar aonde comecei.
Quis voltar para te dizer o que ainda não te disse e sempre quis dizer: Pai, gosto muito de ti.

Pontuação da 7.ª jornada: 39 pontos
Classificação geral após 7.ª jornada: 33.º lugar
                                                  
8.ª Jornada

TEXTO
“Raios te abrasassem...”, Ri-me nervosamente, rolei os olhos e finalmente rugi raivosamente, tudo mentalmente. Repto mais... mais ridículo e mais... mais retorcido: redigir um texto com não mais de 300 palavras, em que todas as frases comecem pela letra “R”.
Resignada, pego numa resma de revistas, à procura de qualquer resquício de inspiração.
Resisto à sublime tentação de, muito pura e simplesmente, desistir e resoluta, ponho rum num copo, ainda e sempre à procura da tão remota e reservada inspiração.
Recuo, roída de ralação, perante o copo de     rum na minha mão. Recuso-me a ficar ébria e de ressaca.
Resmungo e continuo à procura de uma resposta para encontrar o respectivo ritmo.
Rabisco umas palavras, um qualquer rascunho de uma qualquer rapsódia de letras.
Revolvo a minha memória, em busca de mais revelações.
Respingo revoltada comigo mesmo: raspo, rasgo e retalho o meu vocabulário, no rasto de mais palavras.
Regalo-me com a revelação de um autêntico repasto: romã, rúcula, rabanete, ruibarbo, raia, robalo... tudo reunido num bom refogado.
Refugiu-me dentro de mim e riscando e arranhando ainda mais fundo, também me surgem: romântico, república, relógio, ravina, rico, rigor, rua, rio, roda...
Repentinamente, dou-me contas dos já muitos remates certeiros.
Realmente, há por aqui muitos “R”.                                                           
Ritual de respeito, tenho de confessar. Resolução difícil, tenho de o reconhecer, mas...
Recado resolvido, repto respondido, ressalva riscada!!!

Pontuação da 8.ª jornada: 40 pontos
Classificação geral após 8.ª jornada: 35.º lugar
                                                  
9.ª Jornada

TEXTO         
Vertigem. Respirar fundo. E esperar.
Esperar pelo apito, pelo maldito apito. Para tudo começar. Outra vez.
Os pontapés, a dor que de tão insuportável se tornava praticamente inexistente, perfeitamente olvidável e completamente ultrapassável. E se das primeiras vezes que aquilo lhe tinha acontecido, ainda se tenha perguntado porquê, agora já não fazia isso: já sabia melhor.
Todas as semanas ela experimentava a mesma... mesma... selvajaria, verdadeira brutalidade, autêntica tortura e desmedida agonia.
E no entanto, ela sentia-se algo parecido com feliz, completa e realizada: é que assim, não obstante as mazelas, havia um propósito, um intuito e uma finalidade.
Ela era precisa.
E também amada. Sim, ela sentia-se amada, pois ela bem sentia a imensa satisfação das pessoas e ouvia os gritos de deleite e prazer, suprema alegria.
É claro que também ouvia alguns impropérios e injúrias, mas já lhe tinham explicado que nada daquilo lhe era dirigido, mas sim aos outros intervenientes.
Quem lhe tinha explicado foi uma velha veterana daquelas andanças, ainda antes da primeira vez dela, quando se apercebeu de que ela era caloira, a estrear.
Mas mesmo com aquelas explicações todas, nada a podia preparar para o primeiro embate, o primeiro pontapé. E como ela era redonda, a dor, aquela dor agonizante, parecia que rodava dentro dela, atingindo-a em toda a sua plenitude.
Agora, já sabia o objectivo final daquilo, aquele jogo a que chamavam futebol, verdadeiro rastilho de paixões: metê-la a ela, bola, com os pés ou com a cabeça, dentro daquela coisa rectangular e rodeada de redes, com um homem a guardá-la, por vezes a fazer figuras muito tristes.
O que nem sempre acontecia.
Não obstante as inúmeras e frenéticas tentativas.
Na verdade, ela quase que sentia pena dos jogadores; mesmo apesar dos pontapés, a empatia era inevitável. Era como se ela, a bola, e eles, os jogadores, fossem um só. Pelo menos, durante o tempo do jogo.
Que estava mesmo a começar.
O árbitro ia apitar e novamente ela sentiu uma vertigem.

Pontuação da 9.ª jornada: 40 pontos
Classificação geral após 9.ª jornada: 34.º lugar
                                                  
10.ª Jornada

TEXTO
Olá.
Não faças essa cara de espanto...
Não, não me enganei: esta carta é mesmo para ti. Sabes bem que a oralidade nunca foi o meu forte e que eu sempre me exprimi muito melhor por escrito. Nunca fui muito de palavras ditas – sempre preferi as escritas.
Por isso esta carta.
Pode ser que assim chegue melhor a ti; pode ser que assim o tiro seja mais certeiro, mais directo.
E porque é que eu te quero atingir, perguntas.
Mas, verdade seja dita, eu não sei porque perguntas.
Porque tu sabes, sabes até muito bem.
Com o que eu te quero atingir, é com um pedido. Aliás, é mais que um pedido. É praticamente uma exigência. Na verdade, um ultimato.
Então, cá vai disto:
Por favor, luta. Luta e continua a lutar. Não desistas nunca. Para ser mais precisa, proíbo-te.
E ainda tens a lata de me perguntar do que é que te proíbo de desistir?
Hom’essa, da vida, pois então!
Não, que disparate, eu sei que nunca pensas-te (pelo menos, até agora... e livra-te de pensar nisso no futuro, porque senão aí é que vamos mesmo ter o caldo entornado) em pôr termo à vida.
Mas também sei que já pensaste em desistir.
Assim, sem mais nada. Muito pura e simplesmente, desistir. Ficar completamente apática e indiferente a tudo o que te rodeia, incluindo a ti.
Eu sei que a tua vida não é fácil: estás numa cadeira de rodas, como consequência de teres uma doença rara, incurável e progressiva. Uma doença da qual nunca tinhas ouvido falar, até a mesma te ter atingido com uma força incontrolável que não podia ser domesticada.
Sei ainda que te sentes constantemente uma pária, uma aberração, algo que mais valia não existir nem ser, muito menos sentir e pensar. E nunca saber.
Porque tu já sabes.
Por isso, novamente te peço: não vás. Nem desistas. Fica e luta.

Pontuação da 10.ª jornada: 41 pontos
Classificação geral após 10.ª jornada: 31.º lugar

Apesar de autorizada a divulgar os meus textos e respectivas pontuações, não fui autorizada a divulgar os desafios, um por cada jornada.


Tentei sempre, o melhor que podia e sabia, responder aos desafios, mas tentando sempre e acima de tudo, manter-me fiel a mim mesma e ao meu estilo:
Pelo feedback que recebi, deduzi que os meus textos eram bons, de qualidade, singulares e com muita alma. Mas aos quais faltava sempre qualquer coisa: ora acção, ora densidade, ora profundidade….Enfim… Já lá dizia o outro: não se pode agradar a gregos e a troianos, não é verdade?... E a vida é mesmo uma constante e contínua aprendizagem: nada como viver para aprender. E eu ADORO aprender – não sei é ensinar, mas isso já é outra história…


E por hoje fico por aqui.
Até uma próxima oportunidade.